Franquia substitui Correios em favela do Rio de Janeiro

Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios

21/03/2014

 

Rua 2, beco 17, casa 7, Rocinha, Rio de Janeiro. Durante mais de metade da sua vida, João Simão de Azevedo, 78 anos, preencheu esse endereço em cadastros de lojas ou para vagas de emprego.

 

O ex-pedreiro, porém, nunca recebia cartas em casa — ele morava em uma área irregular, fora do alcance dos Correios. Sua correspondência, como a dos vizinhos, ia para uma caixa de papelão que ficava no início da rua. Até hoje seu João guarda na memória a primeira vez em que uma carta chegou à sua porta, no ano 2000. Era a resposta positiva ao pedido de aposentadoria — ele chorou ao receber a notícia. Essa foi também a entrega de estreia do Carteiro Amigo, uma empresa criada por três moradores da Rocinha. Era algo inédito: eles queriam distribuir correspondências nas favelas em que os Correios não chegavam, devido à dificuldade de achar ruas que não estão no mapa. 

 

A iniciativa foi concebida pelos primos Silas da Silva, 44 anos, e Carlos Pedro da Silva, 43, e pela mulher de Carlos, Elaine da Silva, 41. Trabalhando como recenseadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Rocinha, os três constataram como era difícil encontrar os destinatários. “Se é complicado para a gente, que mora lá, imagina para um carteiro”, diz Silas. Nas favelas, como muitas casas não têm endereço certo, boa parte das cartas é deixada em caixas ou em pontos comerciais, e cabe ao morador descobrir onde elas foram parar. Só na Rocinha hoje há 70 mil moradores. 

 

A experiência do trio no Censo de 2000 fez surgir uma ideia: se o IBGE recrutava pessoas da própria comunidade para suas pesquisas, por que não fazer o mesmo com as entregas? Para descobrir se a iniciativa tinha futuro, ao terminar o questionário do IBGE, eles perguntavam aos moradores se eles pagariam para receber a correspondência em casa. Quase todos respondiam que sim. Isso os incentivou a largar seus empregos e se dedicar integralmente ao projeto, em novembro de 2000. 

 

De início, a preocupação dos fundadores era conquistar a confiança dos moradores. Eles não queriam que o negócio fosse confundido com um dos inúmeros projetos sociais criados na comunidade que desapareciam depois de alguns meses. “Alugamos uma loja para as pessoas nos enxergarem como uma empresa”, afirma Silas. O trio fez um acordo com um amigo que tinha um imóvel desocupado: se o negócio vingasse, pagariam o aluguel. 

 

O próximo passo foi comprar os uniformes — em 12 prestações — e instalar um telefone na loja com a ajuda de um empréstimo bancário. Para atrair os primeiros clientes, eles ofereceram o serviço de graça no primeiro mês; após esse período, o custo mensal seria de R$ 3. Não há uma parceria com os Correios: o Carteiro Amigo busca as correspondências nas caixas e nos pontos comerciais da favela. Com o tempo, alguns moradores passaram até a colocar a loja como seu endereço residencial. 

 

Os próprios sócios foram os primeiros carteiros. Depois de três meses, eles arrecadaram o suficiente para pagar as dívidas e contratar funcionários, sempre recrutados na comunidade. Logo, começaram a abrir lojas em outros pontos da Rocinha. Em dois anos, empregavam 27 pessoas em quatro unidades. Foi aí que notaram que haviam cometido um erro: era caro e desnecessário ter tantas lojas. “Somos um serviço de entrega, não precisamos de uma estrutura grande”, diz Silas. Então, eles fecharam três unidades e reduziram o número de funcionários para oito. 

 

Corrigida a rota, o negócio continuou crescendo. No final de 2012, o trio voltou a pensar em expansão, mas em um novo formato. Seguindo a recomendação de consultores do Sebrae Rio de Janeiro, eles decidiram se preparar para, em 2013, transformar-se na primeira franquia criada em uma favela brasileira. 

Os sócios começaram a negociar as unidades em setembro. Em três meses, já tinham oito franqueados no Rio, em pontos como o Morro do Alemão, o Morro do Juramento e a Favela do Rola. O investimento inicial em uma unidade é de R$ 30.300. O administrador de empresas Alexandre Bastos, 43 anos, é dono de cinco franquias, em sociedade com sua mulher, Maria Laura, 52. O que o levou a investir no negócio foi a possibilidade de ter uma empresa enxuta. “Você não precisa de uma grande estrutura. Só de alguém que conheça bem a comunidade, tanto os endereços como a rotina das pes-soas”, afirma. “O resto do serviço é pura logística.” 

 

Hoje, a rede tem 7 mil clientes, que pagam R$ 16 por mês para receber as cartas (a empresa não divulga o faturamento). O plano dos sócios é levar o Carteiro Amigo para outros estados. Agora, eles avaliam propostas da Bahia e de São Paulo. “Quanto mais gente tiver acesso ao nosso serviço, melhor. Mudamos a vida das pessoas, por isso queremos que a empresa vire um legado”, diz Silas.

 

Como lucrar fazendo o bem 

 

Quatro dicas de Alexandre Bastos, o maior franqueado do Carteiro Amigo, para fazer um negócio de impacto social dar certo na favela 

 

Faça parcerias – A associação de moradores é o melhor canal para conhecer uma favela. Além disso, seus integrantes podem indicar seu trabalho para quem mora na região. 

 

Pesquise hábitos – Descubra o que faz um negócio prosperar na região: observe os horários de fluxo do público, entenda as maneiras de vender para ele e adapte sua empresa a esse cenário. 

 

Empregue o morador – Ter na equipe pessoas que conhecem e entendem os clientes é um trunfo , por isso priorize esses candidatos na hora da seleção. 

 

Cumpra o prometido – Não dê desculpas: faça o que prometeu. Cumprir prazos e acordos é a chave para conquistar de vez a confiança do público.

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